No Maranhão, onde os tambores do bumba meu boi ecoam história e pulsam como símbolo da identidade cultural, a ciência encontrou um novo ritmo. Unindo o ensino de Física à música, a pesquisa ‘Física na música: uma proposta metodológica de ensino da Física a partir da Música Popular Maranhense (MPM)’, da estudante Angelina Sousa da Silva, do Instituto Federal do Maranhão (IFMA), campus São José de Ribamar, relaciona conhecimento e metodologia pedagógica com impacto cultural. O estudo tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) e integra ciência com a valorização das manifestações populares.
A pesquisa propõe uma nova abordagem educacional, ao utilizar letras de toadas e canções locais como ponto de partida para ensinar conceitos físicos, de maneira facilitada e contextualizada. “A nossa intenção é tornar o aprendizado da Física mais cativante e prazeroso, fazendo uma ponte com a cultura e o folclore maranhense”, explica Angelina Silva. Ela acrescenta que esta metodologia mostra como a cultura popular é campo fértil para a ciência e a educação, e podem fazer a diferença, relacionando conhecimento acadêmico e saberes tradicionais.
Como base para aplicação da metodologia, estão em fase de seleção, as toadas e canções de artistas maranhenses. Entre elas, a escolha da música ‘Se não existisse o sol’, do Boi da Maioba; e ainda, ‘O radinho’, de César Nascimento, representando a parcela da MPM. Essas obras foram escolhidas por apresentarem, de forma simbólica ou explícita, conceitos físicos como transmissão de calor, força gravitacional, reflexão da luz, ondas eletromagnéticas, propagação do som e ressonância, o que demonstra o grande potencial que há na música e cultura maranhense para o ensino da Física.
“Mesmo com linguagem poética, essas músicas contêm elementos que nos permitem discutir temas científicos com profundidade, mas de forma acessível”, afirma o orientador do estudo, Flávio Moura, que é professor de Física.
A iniciativa se tornou viável com apoio da Fapema, destaca a estudante Angelina Silva, citando as oportunidades em editais voltados à valorização do conhecimento tradicional, das artes e da cultura popular do Maranhão. “A FAPEMA é uma parceira e um suporte indispensável aos pesquisadores maranhenses e para mim, possibilitou que eu pudesse desenvolver o projeto. Um apoio importante que torna viável concluirmos nossos projetos e agradeço muito por essa mão amiga da instituição”, enfatiza.
Para o presidente da Fapema, Nordman Wall, projetos como esse têm forte relação com o papel da instituição. “Apoiamos a ciência em seu aspecto técnico e inovador e como ferramenta de transformação social. Esta pesquisa mostra que é possível integrar saberes populares ao conhecimento acadêmico, colaborando com a valorização da identidade cultural e inovando em métodos de ensino”, observa.
Entre os resultados parciais mais relevantes do estudo, está a constatação de que músicas tradicionais podem ser aliadas poderosas no processo de ensino e aprendizagem. A pesquisa aponta para uma melhoria no engajamento dos estudantes, quando conteúdos complexos da Física são apresentados, por meio de músicas com as quais eles já têm conexão emocional e cultural.
A próxima etapa do estudo envolve a ampliação do repertório musical analisado e a aplicação prática da metodologia em turmas do ensino médio. As atividades serão acompanhadas e avaliadas quanto ao impacto na aprendizagem e na motivação dos estudantes. “Queremos validar essa proposta em sala de aula e, quem sabe, inspirar outros educadores a incorporar a cultura local ao ensino de ciências”, planeja Angelina Silva.
Instrumento de transformação
Ao relacionar a origem e evolução da música popular maranhense, o estudo aponta para uma profunda ligação com a história do povo maranhense. “A música popular do Maranhão é fruto de um conjunto de influências africanas, indígenas e europeias. É memória viva, resistência e criatividade. Estudá-la é também entender como nosso povo se expressa e aprende”, explica o professor Flávio Moura.
Na canção ‘O radinho’, de César Nascimento, por exemplo, há um resgate da tradição da escuta coletiva e dos sons do cotidiano, além de revelar-se um excelente material didático ao abordar, mesmo que poeticamente, fenômenos físicos. “Essa abordagem promove o reconhecimento da cultura local como instrumento legítimo de conhecimento. Ao integrar ciência e arte, ressignificamos o modo de ensinar e de aprender”, comenta o professor.
Ao inserir a música popular maranhense no ambiente escolar como recurso didático legítimo, o projeto contribui para a inovação pedagógica e a preservação do patrimônio imaterial do estado. Paralelamente, é um elo entre tradição e inovação, entre o saber popular e o conhecimento científico. Um exemplo de como o Maranhão, ao som dos pandeirões e das toadas do bumba meu boi e da música maranhense em geral, pode ensinar e formar cidadãos conscientes de sua história e cultura. “Quando valorizamos nossa cultura como forma de aprender, também garantimos que ela continue viva entre as novas gerações”, diz a estudante.
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